Como faço para trabalhar com tradução literária?
Volta e meia recebo essa pergunta que não é nada fácil de responder. A primeira barreira é que, confesso, me sinto até despreparada para ser alvo dessa questão, afinal, não fazem nem cinco anos que trabalho formalmente com tradução literária. A segunda é que não existe uma única forma de trilhar esse caminho, nem um trajeto correto a se seguir.
Sendo assim, como dar conta de responder isso? Bom, vou fazer uma breve tentativa. E a única maneira que consigo pensar em fazer isso é contanto um pouco sobre essa minha ainda curta formação enquanto tradutora literária.
E falando em formação, nada melhor do que começar logo pela questão prática da coisa. A maior verdade que posso te oferecer é que nem todo tradutor precisa ter uma formação formal em tradução literária para seguir essa carreira. Conheço tradutores graduados nas mais diversas áreas, todos muito competentes em seus trabalhos. Isso não quer dizer, é claro, que buscar um curso de tradução em uma faculdade ou cursos avulsos sobre tradução literária seja algo dispensável. Muito pelo contrário! Conhecimento nunca é demais.
Não sou formada em Tradução. Me graduei em Letras, nos idiomas Português e Latim (sim, Latim!). E apesar de não ter me aprofundado nos estudos da teoria da tradução durante minha graduação, acabei aprendendo muito sobre o assunto lidando com as traduções de estudos nas aulas de latim. Foi, inclusive, durante uma dessas aulas, enquanto o professor levantava a questão sobre sempre se perder algo na tradução, e dando de exemplo um poema do Oswald, em que me vi tradutora pela primeira vez.
Meu professor trouxe o exemplo do simples poema “AMOR/Humor” para debater o fato de que nenhuma tradução conseguia trazer o sentido, a musicalidade, a imagem que essas duas palavras evocavam. Depois disso, eu passei as próximas duas horas rabiscando no meu caderno uma solução. Fiquei instigada e não consegui largar o osso. No fim, cheguei em uma opção que me deixou satisfeita: LOVE/Laugh. Ainda se perde algo, afinal, em uma tradução literal teríamos “AMOR/Riso”, mas gostei de como essa escolha manteve muito do original.
Compartilhei com meu professor no fim da aula e ele adorou. Meus colegas tiraram sarro durante muito tempo, me chamando de “a poeta” por causa desse momento, e sempre achei graça. Mas pensando hoje em dia, aquilo foi menos sobre uma poeta, e mais sobre uma tradutora.
Isso já mostrava os primeiros traços mais importante na vida de um tradutor: a vontade de resolver uma questão idiomática, brincar com as palavras, curiosidade.
Conhecer muito bem o idioma do qual traduz e para o qual traduz é, sem dúvida, indispensável, mas esse é apenas o básico esperado de qualquer tradutor. É preciso entender que na tradução, ainda mais na literária, muitas outras ferramentas vão ser necessárias, e por isso repito: conhecimento é, sim, importante. Estudar sobre o assunto, acompanhar e refletir sobre o trabalho de outros tradutores deve ser uma tarefa constante.
Assim sendo, não deixe sua curiosidade morrer! Ainda era adolescente quando me vi querendo saber mais sobre o processo de publicação daqueles livros que sempre me faziam companhia. Mesmo sem entender muito sobre o mercado editorial, adorava abrir a página da folha catalográfica e explorar com curiosidade aqueles nomes e cargos.
Se quer trabalhar com tradução, precisa entender mais sobre o mercado no qual deseja se inserir. Tenha a curiosidade de dar uma olhada nos nomes das pessoas que trabalharam nos livros que tanto ama, pesquise na internet sobre esses profissionais, os siga nas redes sociais. Existe tanta informação sendo compartilhada diariamente por quem trabalha no mercado, e assim como em todo serviço, é importante conhecer as estradas que queremos trilhar. Os lados positivos e negativos.
Outra questão talvez importante de esclarecer é que não existe tanto glamour na vida de tradutores literários como algumas pessoas podem esperar. Somos, no geral, trabalhadores autônomos, recebemos por trabalhos entregues e os valores variam. Sem contar, é claro, com o constante esquecimento e apagamento que sofremos na nossa carreira. Como bem pontuou uma vez Paulo Henriques Britto (grande referência para quem quer seguir com a tradução literária!):
“[…] não almejamos a glória: tudo que queremos é o reconhecimento de que, no mundo imperfeito em que vivemos, nosso trabalho existe, é necessário, é difícil, é até mesmo respeitável, e que às vezes somos capazes de realizá-lo com competência.”
Traduzir é um trabalho como qualquer outro, desgastante e cansativo. Não podemos romantizar um serviço que paga nossas contas, mas é difícil apagar o encantamento que carregamos com livros, e nem acho que devemos. Existe certa magia em saber que estamos ajudando uma história a alcançar novos leitores e horizontes. Mantenha essa luz, mesmo nos momentos mais cansativos, e não deixe seu sonho de lado: siga sua própria trajetória tradutória.
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ANDRADE, Oswald de. Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade. São Paulo: Globo, 1991.
BRITTO, Paulo H. A difícil vida fácil do tradutor. 34 Letras, Rio de Janeiro, n. 3, p. 111-115, mar. 1989.
Solaine Chioro é da baixada santista, mora em São Paulo e se formou em Letras – Português/Latim pela UNESP. Além de escritora, trabalha como tradutora, revisora, preparadora e leitora de sensibilidade. É autora de Reticências (Alt, 2021) e de contos nas coletâneas Sobre Amor e Estrelas (e algumas lágrimas) (Rocco, 2020) e Flores ao mar (Mazza, 2022), além dos independentes A Rosa de Isabela e Sonhos que ganhei. Escreve terror como Sol Chioro.
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