Já fizemos a retrospectiva dos melhores livros de autores negros nacionais da década e agora chegou a vez dos gringos.
Para montar esta lista, usamos não só como critério alguns de nossos livros favoritos e que consideramos importante pelo que representa, mas também livros que foram altamente premiados nos últimos anos e que já foram lançados no Brasil para que você possa ler, é claro!
“Quem teme a morte”, Nnedi Okorafor (2010)
Os livros de Nnedi Okorafor são grandes pilares do que é o africanofuturismo e “Quem teme a morte” não é diferente. Em uma aventura distópica que se passa numa África pós-apocalíptica e desesperançosa, acompanhamos Onyesonwu, uma sobrevivente de uma tribo exterminada. Ela é criada por um xamã e descobre seus poderes mágicos e seu destino: impedir que o genocídio ao seu povo continue.
“Quem teme a morte” recebeu o prêmio de melhor romance do World Fantasy Award de 2011 e o Kindred Award em 2012, sacramentando o reconhecimento de Nnedi Okorafor, que posteriormente recebeu Nebula e Hugo pela novela Binti, ainda não publicada no Brasil.
Leia “Quem teme a morte”. Livro disponível no Kindle Unlimited.
“Um dia vou escrever sobre esse lugar: Memórias”, Binyavanga Wainaina (2011)
Binyavanga Wainaina infelizmente faleceu em 2019. Mas sua obra perdurará. “Um dia vou escrever sobre esse lugar” traz memórias de toda sua vida no continente africano no âmbito individual, familiar e social, nos mostrando uma África que pouco conhecemos, com todas as suas nuances e valores.
O livro foi um dos mais aclamados do ano, figurando as listas de livros notáveis e de escolha dos editores no New York Times de 2011 e na lista dos dez melhores livros do ano do Publishers Weekly.
Leia “Um dia vou escrever sobre esse lugar: Memórias”.
“Voltar para casa”, Toni Morrison (2012)
Aqui teremos que citar mais de um livro. Citar uma obra inteira. Não podemos deixar de falar da primeira e única mulher negra a ganhar um Nobel, além de um Pulitzer. A autora que também nos deixou esse ano, lançou seus últimos dois sensíveis e emocionantes romances nesta década: “Voltar para casa”, uma história sobre redenção, afeto e reencontro após uma traumática experiência de um soldado de guerra, e “Deus ajude essa criança” em 2015.
O ano de 2012 é ainda mais especial na vida de Toni Morrison por receber de Barack Obama, então presidente dos EUA, a maior honra civil do país, a Medalha Presidencial da Liberdade.
“Toni Morrison era um tesouro nacional. Sua escrita não era apenas bela, como significativa — um desafio para nossa consciência e um chamado para maior empatia”, disse Obama, após o falecimento da autora.
Leia “Voltar para casa”.
Americanah (2013)
Talvez não seja exagero dizer que Americanah não é apenas o livro mais importante de 2013, mas da década. Um livro que mostra todas as facetas do racismo e das vivências negras, à partir da ótica de um casal nigeriano separado pelas circunstâncias da vida. Não à toa, o livro ganhou o National Book Critics Circle Award de 2013 e foi finalista do Women’s Prize de 2014.
Obinze descobrira que a tristeza não diminuía com o tempo; na verdade, era um estado volátil.
A obra está sendo adaptada como série para ser transmitida na HBO Max. Produzida Danai Gurira (Pantera Negra e The Walking Dead) e Lupita Nyong’o (12 anos de escravidão, Pantera Negra e Nós), que também protagonizará a série junto de Zackary Momoh (Seven seconds, Hariet e Doutor Sono). Uzo Aduba (Orange is the new black) também foi recentemente anunciada como parte do elenco.
Leia “Americanah”. (Antes de série chegar!)
“Breve história de sete assassinatos”, Marlon James (2014)
O autor jamaicano Marlon James já havia lançado dois livros na carreira, mas nenhum foi tão avassalador quanto “Breve história de sete assassinatos”. Este livro cria uma ficção oral em volta de um contexto real: a tentativa de assassinato de Bob Marley em 1976. A história explora os eventos e personagens em torno desse fato, durante a turbulência política na Jamaica na década de 70.
Por este livro, Marlon James ganhou os prêmios Booker Prize e American Book Award de 2015, além de ter sido finalista do National Book Critics Circle Award de 2014.
Leia “Breve história de sete assassinatos”.
A Quinta Estação (2015)
A trilogia “A Terra Partida” dispensa apresentações. Os prêmios falam por si só: N. K. Jemisin foi a primeira e única autora na história a ganhar o Hugo Award de melhor romance por três anos seguidos! O primeiro, em 2016, por “A quinta estação”, seguido de “O portão do obelisco” e, ano passado, por “O céu de pedra”. A trilogia completa!
E não para por aí! O terceiro livro da trilogia levou também o Nebula de melhor romance e o Locus de melhor fantasia em 2018. Todos os maiores prêmios da ficção especulativa mundial.
Mas é assim que o mundo acaba.
É assim que o mundo acaba.
É assim que o mundo acaba.
Pela última vez.
Você ainda precisa de motivo pra ler? Ok, vamos lá: O marido de Essun assassinou seu filho e sequestrou sua filha. A maior cidade da Quietude, nação em que Essun vive, é destruída por um homem. Uma fenda vermelha se abre no céu de Quietude, expelindo cinzas que transformam o dia em noite por séculos. Tudo isso, no mesmo dia! Essun tenta ser mãe, cidadã e humana em um mundo que nada disso lhe é permitido.
Te convenci, eu sei. Leia “A quinta estação”!
“O caminho de casa”, Yaa Gyasi (2016)
Uma mulher nascida em Gana e criada no Alabama tem seu nome amplamente noticiado na grande imprensa americana em 2016 por conta de seu romance de estreia: “O caminho de casa”.
Este livro é um romance histórico de capítulos intercalados sobre duas irmãs que não se conhecem nascidas em povos rivais de Gana, Fanti e Ashanti. E ambas tem destinos bem diferentes à chegada dos colonos escravagistas ingleses: enquanto Esi é escravizada, Effia é comprada por para ser “esposa” de um nobre inglês. Acompanhamos, então, a história de sete gerações de cada uma dessas famílias e como tudo é bem diferente entre elas, exceto o racismo e os danos da supremacia branca euro-americana sobre a África.
Com esse livro arrabatador, Yaa Gyasi ganhou o prêmio de melhor livro de estreia do National Book Critics John Leonard Award em 2016 e o American Book Award de 2017, além de figurar na lista de mais vendidos e de livros notáveis do New York Times de 2016.
Leia “O caminho de casa”.
“O Ódio Que Você Semeia”, Angie Thomas (2017)
Você com certeza conhece esse fenômeno. O livro que estreou no topo da lista de mais vendidos do New York Times e passou mais de 80 semanas lá, que ainda está na lista há quase 3 anos (nesta semana, em quinto), que vendeu mais de 100.000 cópias no primeiro mês e mais de 1,5 milhão até agora só nos EUA, que ganhou o prêmio William C. Morris por livro de estreia jovem-adulto e foi finalista do National Book Awards de 2018, além de ter rendido um filme incrível, protagonizado por Amandla Stenberg (Rue, de Jogos Vorazes).
Algum motivo para esse livro não estar aqui? Acho que não. “O Ódio Que Você Semeia”, de Angie Thomas é um livro que mostra porque vidas negras importam. E porque vidas negras importam para nós, mas não para o Estado. Starr teve um dos seus melhores amigos de infância, Kahlil, morto por um policial. Por quê? Bom, porque ele era negro.
Daí pra frente, desencadeia uma história que Tupac dizia ser a definição de THUG LIFE, The Hate U Give Little Infants Fuck Everybody, (o ódio que você semeia nas crianças fode com tudo). O livro de Angie Thomas mostra como esta violência que é imposta pelo Estado contra a população negra incita o ódio nas próximas gerações e cada vez mais, a população negra é obrigada a viver em um cotidiano violento.
Leia “O Ódio Que Você Semeia”.
“Minha história”, Michelle Obama (2018)
Este livro é a auto-biografia da primeira e única primeira-dama negra dos Estados Unidos. É isso. Vamos para o próximo.
Ok, vamos falar um pouco mais: todos sabemos o quão significante é termos grandes referências negras na mídia, no poder, na cultura. Imagina a representatividade de uma família negra dentro da Casa Branca. São pessoas como Michelle Obama que nos permite sonhar, pensar em um futuro melhor. Por isso este livro é de suma importância.
E outra: “Minha história” é bom! É um obra incrível. Não à toa, ganhou o NAACP Image Award Outstanding Literary Work de melhor biografia em 2019, além do audiolivro, narrado pela própria Michelle, ter ganho o British Book Awards desse ano e ter sido indicado ao Grammy 2020!
Leia e ouça (narrado em português pela jornalista Maju Coutinho) “Minha história“.
“Memórias da plantação” e “Luanda, Lisboa, Paraíso” (2019)
Para 2019 teremos que dar uma burlada nas regras por alguns motivos: a maioria dos livros de autores negros internacionais de destaque este ano ainda não foram publicados no Brasil e a maioria dos prêmios dos livros lançados esse ano vão acontecer só ano que vem. Então, vamos aproveitar para citar dois livros internacionais que foram lançados esse ano aqui. E chegaram com tudo!
Embora Grada Kilomba seja portuguesa, descendente de São Tomé e Príncipe e Angola (países lusófonos), seu livro “Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano” foi lançado originalmente em inglês em 2008. Somente em 2019 foi publicado no Brasil e tornou-se o livro mais vendido da FLIP 2019. Aliás, esta FLIP foi histórica, pois dos cinco livros mais vendidos, quatro eram de autores negros e um de autor indígena. A obra de Grada Kilomba faz uma análise psicanalítica sobre episódios de racismos e como estas memórias viram traumas e resultam no processo social.
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Djaimilia Pereira de Almeida, autora de “Luanda, Lisboa, Paraíso”, tem algumas semelhanças com Grada Kilomba: também de família angolana, mas criada em Portugal e teve seu livro lançado no Brasil esse ano. “Luanda, Lisboa, Paraíso”, que narra uma história de um pai e filho que vão de Angola para Portugal atrás de um tratamento médico, mas não é tão fácil enfrentar os preconceitos de um país branco e colonial. A obra venceu o Prêmio Oceanos, um dos maiores prêmios de literatura em língua portuguesa, tornando-se a primeira e única autora africana e negra a ganhar o prêmio.
Leia “Luanda, Lisboa, Paraíso”.
Já falamos na outra retrospectiva, mas vale a pena repetir aqui: nunca antes foram publicados tantos autores negros.
E mais, grandes autores surgiram e foram reconhecidos ao longo da última década. Isso se reflete nos prêmios de alta relevância na literatura mundial. Quando pensamos em autores negros internacionalmente premiados no século XX, poucos nomes nos vem a mente, como Toni Morisson, Octavia E. Butler, James Baldwin e Maya Angelou.
São nomes que já estão perpetuados na história, mas talvez, lembremos menos de grandes nomes na literatura negra em um século inteiro do que dos últimos dez anos. E não porque eles eram escassos, mas porque não tinha acesso e não eram aceitos. O que vemos nos últimos dez anos, como diz Emicida, é o impossível se tornando possível. O que vemos é cada vez mais, autores negros tomando o seu lugar de direito, o de reconhecimento, como artistas, como referências, como humanos. E não pela cor da sua pele, mas pela qualidade e importância de suas obras.
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