Felicidade por Um Fio é um filme que toda mulher negra deveria assistir!

Felicidade por Um Fio é um filme que toda mulher negra deveria assistir!

Por Lorrane Fortunato

30 de setembro de 2018

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A relação com o seu cabelo é um assunto ainda muito sensível para mulheres negras. Desde crianças fomos ensinadas que o nosso cabelo não era o certo. Ele era feio, ele aparentava estar sujo, era inaceitável e merecia ser modelado e mutilado até se adequar aos padrões brancos, afinal, só assim teríamos um cabelo bonito e/ou digno.

Seja na piscina, como retratou a primeira cena do filme, seja na escola ou em qualquer ambiente, eu me enxerguei e enxerguei muitas das minhas amigas e conhecidas na pequena Violet. Eu me vi criança de cabelo alisado, eu me vi ainda mais nova com o cabelo trançado, preso tão forte que minha cabeça doía, me vi com os cabelos cheios de creme e gel para garantir que nenhum fio saísse do lugar.

Na adolescência e/ou vida adulta, muitas mulheres negras — assim como Violet — passaram pelo processo da busca do liso perfeito, o cabelo é alisado e machucado, perde totalmente sua identidade para tentar se encaixar num padrão. É um processo cruel e desleal, processo esse que traz feridas emocionais e deixar marcas profundas na autoestima das mulheres negras, autoestima que já é tão escassa.

Algo muito bem trabalhado em Nappily Ever After é a relação de Violet e sua mãe, é muito interessante como mostra que a necessidade de Violet de ter o cabelo “perfeito” (lê-se liso) foi algo passado a ela pela mãe.

É imprescindível não encarar a mãe de Violet como uma vilã, ela é — assim como Violet, as mulheres de sua família e as mulheres negras em geral — uma vítima da sociedade racista em que vivemos. A mãe de Violet foi ensinada a odiar seu cabelo e acaba refletindo isso em como lida com a sua filha. Ela não é culpada pelo auto-ódio que foi ensinada a cultivar. Assim como muitas mulheres mais velhas que reproduzem racismo com relação a sua estética não são.

Infelizmente, isso é algo muito comum e que muitas de nós fazíamos/fazemos sem ao menos perceber. Um exemplo disso é como Violet trata Zoe no começo do filme. Ela reproduz a sua falta de amor pelo cabelo cacheado/crespo na forma com repreende e critica Zoe e sua aparência. E só após começar a amar seu cabelo ela também começa a amar o da Zoe. Essa aceitação do cabelo natural é algo que precisa vir de dentro para fora.

A sociedade exige perfeição das pessoas negras. Desde muito novas somos ensinadas a ser várias vezes melhores, pois já somos negras — o que é considerado uma desvantagem, um ponto a menos, uma falha.

Crianças negras são ensinadas a serem sempre muito melhores em relação ao comportamento e a aparência. Crianças negras aprendem desde muito novas o quão perfeitas elas devem ser para suprir o fato de já serem negras.

Elas têm suas personalidades, auto-estimas e percepções acerca de si mesmas moldadas de acordo com as cores de suas peles. O mundo é extremamente cruel com crianças negras e isso é retratado de forma muito eficaz em Felicidade por um fio.

Uma coisa rara é pessoas negras é terem a possibilidade de se identificar e se enxergar na mídia. Continuamos batendo na tecla que representatividade importa, porém são poucas as nossas experiências de representatividade.

Felicidade por um fio é um dos poucos exemplos de filmes em que pessoas negras podem se ver. Esse filme traz identificação para mulheres negras, principalmente as que passaram pelo processo de alisar o cabelo e depois pela transição capilar. Essa identificação que o filme nos proporciona é realmente incrível. Gosto especialmente como são coisas aparentemente pequenas, mas que aproximam e trazem reflexões.

Felicidade por um fio é um dos poucos exemplos de filmes em que pessoas negras podem se ver. Esse filme traz identificação para mulheres negras, principalmente as que passaram pelo processo de alisar o cabelo e depois pela transição capilar. Essa identificação que o filme nos proporciona é realmente incrível. Gosto especialmente como são coisas aparentemente pequenas, mas que aproximam e trazem reflexões.

Ainda falando sobre o possibilidade de se enxergar no filme, é realmente incrível e tocante o fato dele retratar a transição capilar. Todas pessoas negras que passaram por essa experiência conseguem se identificar com Violet.

Também é maravilhosa a forma real e verdadeira como o filme mostra essa experiência, afinal, é um processo. Não é perfeito, não é fácil e nem todos conseguem chegar até o fim. É lindo como mostra as dificuldades, medos e inseguranças que pessoas negras passam até chegar a aceitação e amor ao seu cabelo natural.

Concluindo, Felicidade por um fio faz o espectador sentir a necessidade de conversar e refletir sobre ele. É um filme incrível, não é perfeito — nenhum filme é, todos têm defeitos — mas é maravilhoso e merece muito ser visto, divulgado e amado.

Essa não é uma história de relação homem-mulher, é a história da relação de uma mulher negra com o seu cabelo. É um filme real, tocante e necessário. Nappily Ever After é um filme que toda mulher negra deveria assistir!

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