Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de contar a vocês algumas histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar “o perigo de uma história única”.
Somos todos contadores de história. Escritores ou não, contar histórias é uma tradição e um valor em famílias, comunidades e pessoas negras. Valorizamos isso, talvez por não nos deixarem contar nossas histórias facilmente.
Não nos deixam contá-las.
O opressor conta por nós. O problema é que ele desenha uma caricatura generalizada do outro, que nunca é positiva e nem perpetua os valores que eles cultuam. Pois o outro é o estranho, o estrangeiro, o bárbaro. Os bons valores estão naquele que conta a história única, no protagonista, no herói, na norma. O outro é o vilão Este é o perigo da história única que Chimamanda traz em um TED Talks de 2009, agora em livro de bolso (pra você carregar MESMO para onde for) pela Companhia das Letras.
A história única não tem final feliz
Vou trazer aqui algumas reflexões sobre a história única: a palavra “vilão” vem de vila. Habitantes de vilas. E por que, então, essa palavra foi associada a algo ruim, a comportamentos não-aceitos? Bom, as histórias não foram escritas por eles, mas pelos nobres (definição literal de herói).
É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkali”.
É um substantivo que livremente se traduz: “ser maior do que o outro”.
Veja: na sociedade atual, no lugar da palavra “vilão” para se referir às pessoas que tomam atitudes repudiadas na sociedade, utilizamos “marginal”. Marginais nada mais são do que pessoas que vivem à margem da sociedade. Geograficamente, empurrados para os cantos mais escusos da cidade, quanto socialmente, tendo menos acesso à economia e cultura. Qual o grande problema de ser um marginal? Não são elas que contam as próprias histórias.
A história única não é sequer boa literatura, pois desumaniza. Cria personagens rasos, desinteressantes e descartáveis. O problema é que esses personagens são reais.
A mais perigosas das histórias únicas
O que me impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo de ter me visto. Sua posição padrão para comigo, como uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada, piedade.
Das histórias únicas, a que mais coleciona tudo que é repudiado, agredido e silenciado pela sociedade, é a história única negra. E vemos esse exemplo dentro da própria literatura. Segundo o periódico da Universidade de Brasília, Entre silêncios e estereótipos: relações raciais na literatura brasileira contemporânea, mais de 93% dos autores nacionais publicados são brancos. Isso se reflete nos personagens, grande maioria brancos também. Mas, sem dúvida o dado mais assustador, diz respeito às ocupações ou profissões dos personagens.
Entre personagens brancos, ocupações como donas de casa, escritor, professor, líder religioso e artista são a maioria. Já os (poucos) personagens negros são em maioria bandidos, empregados domésticos, escravos, prostitutas. Ou seja, enquanto os brancos tem ocupações ditas nobres e morais pela sociedade ocidental europeia (os contadores de histórias), os negros representam o repugnante, o vil. A literatura nacional também é responsável pelas violências que sofremos.
Mas a verdade é que temos muito mais para oferecer. É por isso que criamos o Resistência Afroliterária, para ajudar a reverter estes números, pois tudo o que precisamos é de uma oportunidade para contar nossas próprias histórias e acabar com a história única. E acreditamos que esse é um passo fundamental para acabar também com a opressão. E muito dessa motivação veio de “O perigo da história única”. Por isso, convidamos você a ler e assistir esse ensaio de Chimamanda Ngozi Adichie.
Ficha técnica
Título: O perigo de uma história única
Autora: Chimamanda Ngozi Adichie
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 64
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